O tempo, o celular e o cardiologista
O tempo, o celular e o cardiologista
>>> À espera do chamado do médico, fico analisando a nova forma de comunicação nossa de cada dia, com o celular. E os efeitos dessa máquina extraordinária que nos ajuda e nos atrapalha. Veio para ficar e nos acelera e nos estressa um pouco mais...
- Celso Luís Gagliardo –
Nesta época
em que o ensino implanta normas para disciplinar o uso de telefones móveis no
interior das Escolas, mais propriamente dentro das salas de aula dividindo a
atenção dos professores, fico pensando como seria o mundo hoje sem essa
invenção. Vivemos conectados ao aparelhinho que nos liga ao mundo, com suas
infindáveis possibilidades, inclusive a de nos fazer perder tempo demasiado com
o que não acrescenta.
Na antessala
do cardiologista, aguardando a chamada para o exame prévio, o eletro, topo quatro
pessoas sentadas. Entro, entrego um bom dia, e apenas um responde. Estranho?
Não... Todos plugados a seus respectivos celulares. Compreensível, me acomodo
num canto e aquieto a refletir sobre o tempo, a vida, as rotinas e o que leva
as pessoas a estabelecer suas prioridades.
A vida
moderna nos impõe necessidade de alta produtividade. Todos correndo, querendo fazer
mais com menos e aproveitar o tempo que, realmente, passa rápido. Essa pseudo
agilidade se mostra também no trânsito, onde somos quase levados se andamos na
regularidade e observando os limites de velocidade nalgumas ruas e avenidas.
Agora, com a
tecnologia móvel ninguém mais procura revista de fofocas e mesmo a antiga
Playboy para ler escondido (sumiram!). A gente fica aguardando na antessala o
doutor nos chamar de forma ativa aproveitando “bem” o tempo ao telefone sem fio,
alguns até exibindo o status do cargo e dando ordens, indagando, respondendo
whatsapps, e-mails e tudo o mais. Sem prejuízo dos cuidados online com
as coisas do lar, família, filhos, secretária. Dá para sabermos o que terá de
almoço, se a criança acordou, se a febre baixou, se o vestido ficou pronto, se
o boy foi à balada, se o Corinthians venceu, se.... se....
Assim,
conectados e interligados, ganhamos tempo. Para quê? Para chegar onde? E as
consequências a médio e longo prazos? Necessitamos de processar tanta
informação ao mesmo tempo, dirigindo, caminhando, no teatro, cinema, em casa, no
café com amigos, e a cada oportunidade de consultar o aparelhinho que virou o
centro do mundo.?
E dá-lhe
adrenalina com emoção sobre emoção. Aceleramos sempre em busca de desenvolvimento,
boas novas, alegrias, mas também nos deparamos com as inevitáveis tristezas,
desencontros, más notícias, despedidas e partidas, sem pensarmos que há um
custo a pagar pois numa hora a conta chega.
Quem escreve
também usa (e às vezes abusa) do celular. Frequenta redes sociais. Participa de
alguns grupos de whatsapp. E tem o vício da notícia, desde pequenino gosta de
estar informado. Confesso que faço um grande esforço para não me influenciar
com tudo o que nos cerca, mas não somos donos de nossas emoções. É preciso
moderação em tudo, e até o padre nos alerta na Igreja para a necessidade de
momentos de sossego, quietude, silêncio. Para falar conosco mesmo.
E voltando
ao consultório, chegou a minha vez. O médico, elegante e simpático, me chama e após
um aperto de mão pergunta se eu estava com sono. Talvez porque era o único que
não estava ao celular. Ao início da consulta, naquele quebra-gelo que alguns do
avental branco ainda permitem, falamos sobre as maluquices da vida moderna e
suas consequências. E eu lhe disse que seria bom se tivéssemos dois corações,
um para a sua nobre função de bombear compassadamente o sangue para levar
oxigênio e alimentar nossas células, e outro para ser o receptor das pancadas
da vida, ou seja, um depositário seletivo das dores, insatisfações, maldades,
despautérios, injustiças e ingratidões que nos acometem. Ele riu e concordou
com a preocupação sobre vida muito intensa.
Refletindo
mais, e já no terço final, concluo: algumas vezes precisamos mesmo nos
comunicar rapidamente com alguém, e o celular é uma bênção. Mas a razão
principal de tanta correria e tentativa de melhor aproveitamento do tempo é pela
vida curta, a gente acelera para fazer quanto mais pudermos com o tempo ainda
disponível. E isso a gente aprende somente após os 40, 50 anos. Antes, no vigor
da juventude, a vida entusiástica de tantos anos e sonhos projetados não
permite pensarmos na finitude. Alguns até acham que nunca devemos pensar nisso.
Seria assunto somente para os idosos.
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