Levar vantagem. Cultura da vantagem e colapso da empatia
Levar vantagem. Cultura da vantagem e colapso da empatia
– Celso Gagliardo –
Sou um observador atento. E, por isso mesmo, muitas vezes noto detalhes que preferia deixar passar despercebidos. Casos de pessoas folgadas, desleixadas, que gostam de levar vantagem e simplesmente não se importam com os outros.
Sempre que esse assunto surge, lembramos do Gérson — o excelente meio-campista carioca da seleção tricampeã de 1970. Ele foi protagonista de uma propaganda (de cigarro, ainda por cima) enaltecendo a ideia de "levar vantagem em tudo". Ficou marcado negativamente. Até hoje, o episódio é lembrado como a famosa “lei de Gérson”. Ele se arrependeu, anos depois.
A ideia de levar vantagem quase sempre implica passar alguém para trás. Mesmo que em coisas mínimas. Como o gaiato que fura uma fila qualquer, entra com cara de “bobão” e se planta na frente dos outros, apostando no constrangimento alheio para não ser repreendido.
No trânsito, é ainda mais comum. Tem sempre alguém com pressa, forçando ultrapassagens perigosas, cortando nossa frente, ocupando vaga de idoso ou cadeirante sem ter o direito — ou estacionando de qualquer jeito, ocupando duas vagas por preguiça ou descaso.
Outro dia, no açougue de um supermercado lotado, vivi uma cena constrangedora. Um sujeito “espertinho” chegou e pegou duas senhas: uma de atendimento preferencial e outra normal. Olhou para outro cliente que já esperava e, com um sorriso maroto, disse: “Peguei duas pra ver se saio logo.” O outro reagiu furioso, elevou o tom, e começou a esbravejar. O ambiente ficou tenso. O espertinho tentava se defender, e o fortão não parava. Chegou até um “fala isso pra mim lá fora, vamos ver então...”. Ninguém se atreveu a intervir, mas achei por bem sinalizar discretamente para que ele parasse. Fiz dois acenos. Ele me olhou feio, mas foi se acalmando. Na saída, deu um leve toque no meu ombro — valeu como agradecimento.
Relato esse episódio porque ele mostra como uma atitude do tipo “vou levar vantagem” pode azedar o ambiente e até gerar violência, nesse mundo já tão conturbado.
Normalmente, quem age assim carece de empatia. Não pensa no outro. Nos corredores de supermercado, é comum ver pessoas paradas em locais estreitos, conversando ou deixando seus carrinhos travando a passagem. Outros, na garagem, transferem as compras para o carro e largam o carrinho no meio do caminho, atrapalhando quem chega.
Outro dia, cheguei ao caixa preferencial e um jovem, daqueles com cara de academia, embicou na frente com dois itens na mão. Olhou pra trás, me viu, e comentou: “É, aqui é só pra preferencial, né?” Respondi, rindo: “Sim, mas pode passar... vai ver você tá grávido!” Rimos bastante. Espero que ele tenha se tocado.
Não sei bem por quê, mas parece que gentileza virou artigo de luxo — quase uma espécie em extinção. Um egoísmo sem fim tomou conta. Cada um por si. Empurrando, atropelando, como se fossem seres irracionais.
Pessoas assim têm baixo nível de consciência. “Atropelam” idosos, crianças, gestantes, pessoas com necessidades especiais... sem o menor constrangimento.
Contaram-me, outro dia, que um jovem cedeu espontaneamente seu lugar no ônibus. O beneficiado ficou tão emocionado que acabou esquecendo de descer no ponto certo. Parece mentira — mas choca positivamente. Como aquele vizinho que segurou o portão para a senhora passar... e ainda sorriu. Vejam: ele sorriu!
Será que a pressa virou inimiga da educação? Para onde estamos indo? Que Brasil queremos para nossos filhos e netos?
Quando cultivamos atitudes gentis, o mundo à nossa volta melhora. Irradia solidariedade, gera sentimento de proteção mútua. O círculo se fecha — e se fortalece.
No ambiente corporativo, onde convivemos em grupo todos os dias, gentileza e empatia são ainda mais desejáveis. Apesar da ideia — utópica — de que “sentimentos ficam do lado de fora da empresa”, a verdade é que empatia favorece o espírito de equipe, reduz conflitos, fortalece a liderança e colabora para um clima mais harmônico.
E, no fim das contas, sempre é bom ouvir um “bom dia” sincero. Um “por favor”, “com licença”, “desculpe”, “obrigado”, “por gentileza”, “por obséquio”... Palavras simples, mas poderosas. Porque sim: gentileza gera gentileza.
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