A solidão da estrada e a moça do Pedágio

 


>>>   Viajei pelo trabalho arduamente, amigos me achavam doido. O ser humano é altamente adaptativo foi o que depreendi. Ao volante de um carro, e na solidão da estrada, temos como amigo o rádio e o locutor do momento, com um visual que se modifica a cada instante, sobrando tempo para muito pensar, refletir, imaginar. Não tinha ainda as modernidades de Tags Sem Parar e outras tecnologias, e as praças de pedágios acabavam sendo um ponto de contato com gente. Foi assim que fez nascer esta crônica, sobre o frio das estradas e a moça do pedágio. Espero que goste !


A solidão do asfalto e a moça do pedágio

                                                                    -  Celso Gagliardo  -

Um pedágio é um pedágio e, como tal, pode ser observado de várias formas, dependendo do estado de espírito de cada passante. Houve um tempo em que, por compromissos profissionais, dirigia duzentos quilômetros por dia de casa ao trabalho, na divisa São Paulo-Cajamar.

Acostumei-me a driblar o tédio do volante, a conversar com o asfalto e trocar confidências com as primas Anhanguera e Bandeirantes e, assim, durante longos anos, me defrontava invariavelmente após  dezenas de quilômetros percorridos com uma barreira física muito perceptível colocada à frente, como a determinar que algo devo cumprir compulsoriamente.

Era a tal “praça de pedágio”. Sem fonte luminosa, sem coreto, sem espaços de livre circular, sem verde, mormente um espaço arrecadador a exigir minha penitência. Reduzo a velocidade, preparo os trocados da algibeira e me volto ao guichê. A cada passada fico examinando os movimentos calculados dos atendentes. Eles procuram ser receptivos sem serem intimistas, com um aceno rápido apenas, tipo  “boa viagem, boa noite, bom dia...”.

A partir do momento em que colocaram mulheres o astral melhorou. Não sei bem porque preferia embicar num guichê com atendente feminino. Talvez um... me engana que eu gosto – a paradinha parecia mais leve e a mordida ($) mais suave.

Um dia, chegando fim de semana e mais cansado que o habitual, estrada vazia, arrisquei um dedo de prosa, dessas bem curtas, começando com algo corriqueiro, estranhando o frio reinante e a moça sem agasalho. Ela, imediatamente, apontou o indicador pra cima mostrando que havia aquecimento interno. Chique, não é?

O convívio diário com a solidão da estrada faz-nos pensadores e românticos, e chega a dar subsídios para uma crônica despretensiosa, como esta.

A fragilidade da distância e do quase isolamento leva-nos à solidariedade espontânea. E o encontrar com a moça no pedágio, com um leve sorriso nos lábios, pode representar num reflexo fugidio que a vida é uma estrada, com curvas, altos e baixos, sol, neblina, chuva, riscos e oportunidades, inclusive a de encontrar a moça do pedágio que, com seu jeito de menina-moça, vai nos liberando o verde esperança para alcançarmos novos trechos nessa gostosa paixão de viver, pensando e sonhando... pela estrada.

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