O desabafo de Bielsa e o espelho das empresas

 



O desabafo de Bielsa e o espelho das empresas

– Celso Gagliardo –

Marcelo Bielsa, técnico de futebol reverenciado mundo afora, provocou um tremor inesperado após a goleada sofrida pelo Uruguai diante dos Estados Unidos. Em coletiva, despido de qualquer armadura, confessou-se “tóxico”. Assumiu para si a culpa pela má fase da equipe. Falou de sua timidez, de uma obsessão que o engessa, de um modo quase robotizado de existir. E explicou que sua rigidez nasce do medo de perder — esse fantasma que pesa mais que o prazer de ganhar.

O rasgo de sinceridade surpreendeu não só o futebol, mas também estudiosos do comportamento humano. A fala, muito mais que justificativa, soou como um pedido de socorro. Um alerta tardio, talvez — daqueles que, se não acolhidos, podem abreviar a jornada de um estrategista raro no esporte.

Acostumado às curvas e descaminhos das relações de trabalho, especialmente do mundo que separa e conecta superiores e subordinados, fiquei me perguntando quanto do desabafo de “El Loco Bielsa” ecoa também no universo corporativo.

Porque empresas, afinal, são organismos fechados. Vivem de metas, dependem de resultados, de equipes entrosadas, dedicadas, eficientes. E essas equipes têm comandantes — Supervisores, Gerentes, Diretores — muitas vezes promovidos por seu talento técnico antes de qualquer vocação para lidar com gente.

E a função comando… ah, essa é das mais difíceis. Quem vê de longe acha que o gestor “quase nada executa”. Mas é ele quem traça caminhos, forma o time, distribui as tarefas, observa e corrige o que sai do tom — técnica ou comportamento. É o olho do dono, quando não é o próprio dono.

Seu campo de batalha é amplo: pressões de cima — Conselhos, Diretorias, Acionistas; de baixo — as demandas naturais dos subordinados; e de lado — os pares, que competem e cooperam na mesma medida. Há até pressão do cliente, pedindo qualidade, prazo, milagre.

Cada um reage como pode a esse cerco. Alguns fluem com leveza, driblando dificuldades como quem joga pelada de domingo. Outros carregam o peso sozinho, tentando não contaminar o grupo. Mas há limites. A bolha cresce. E um dia estoura.

Bielsa sabe disso como poucos. Um técnico vive sob o fogo cruzado de milhões, comanda astros que muitas vezes ganham mais do que ele, precisa revelar talentos e fazê-los brilhar. Estuda o adversário, planeja estratégias, tenta neutralizar virtudes alheias e explorar fragilidades. Tudo isso enquanto tenta manter intacta a própria sanidade.

O gestor corporativo, por sua vez, tem sua própria tabela de jogos: precisa escalar bem o time, definir métricas, cuidar do clima interno, da motivação, da energia que move e sustenta. Corrigir com moderação, elogiar em público, ajustar em particular. Equilibrar dureza e humanidade, razão e emoção. Obter resultados sem perder o respeito — e, se possível, a admiração.

Pense comigo, leitor: se o comandante não está bem, não se conhece, não se governa emocionalmente… como pode conduzir alguém? E assim muitos seguem empurrando a barca no improviso, entre tapas e beijos, como diz a música. Governam pelo poder, e não pelo respeito. Criam ambientes tóxicos onde a alta rotatividade ou a submissão silenciosa adoecem e custam caro — às empresas e às pessoas.

Passei boa parte da vida profissional estudando esse território de sombra e luz, ajudando líderes tecnicamente brilhantes a brilharem também no trato humano. E a confissão de Bielsa me puxou de volta ao tema. Ao ouvi-lo, enxerguei um campo de futebol com alma de empresa. Ou uma empresa com gramado e traves. Tal-e-qual…

– Jornalista e Profissional de Recursos Humanos e Gestão –                                           – 25 nov 2025 –

                               - celsogagliardo.blogspot.com

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