Santa Bárbara, 207. Quem te viu, quem te vê

 


Santa Bárbara, 207. Quem te viu, quem te vê

Celso Luís Gagliardo


Estou fora dela há 43 anos, mas ela nunca saiu de mim. Santa Bárbara d’Oeste é um pequeno mimo que cultivo no peito desde menino — berço que me acolheu na rua Maria Tunussi Bética, perto do prédio “Dentão”, da 13, e onde a vida parecia caber inteira num mapa de passos curtos.

Era tudo perto: a gente andava a pé ou de bicicleta, cruzando distâncias que hoje parecem impossíveis. Da Vila Aparecida à Igreja de Nossa Senhora Aparecida, onde o tio Agostinho e sua numerosa família abriam a porta e o sorriso. Da Usina Santa Bárbara, onde o pai Pedro trabalhou por um tempo e onde o tio Leontino morava. Dos campos da várzea, com União Aparecida, Marianinhos e tantos outros escrevendo pequenas epopeias dominicais. Da Vila Linópolis — já então um bairro de porte médio — com sua enorme depressão, o famoso “valo”, separando-a da região dos Borges. Muito circulei por ali, entre caminhos de terra e gramados mal cuidados onde disputávamos nossas peladas de luxo infantil.

Guardo lembranças — e outras me escaparam. Como me conta o Nelsinho Pacheco, colega de classe da Escola Inocêncio Maia, que vive a repetir que eu era o segundo melhor aluno, atrás apenas do Clóvis Padoveze. A escola Inocêncio era ali pertinho da casa da vó Bárbara e do tio Paulo, este ainda vivo, bem na rua 13 de Maio, quando poucos carros disputavam — quase com timidez — espaço com cavalos e carroças.

Carrego também o carinho do tio Carlos Perez, médico atencioso e um dos primeiros da cidade, daqueles tempos em que se atendia “de tudo”, na coragem e na vocação, com pouquíssimos recursos para exames.

Todos os períodos da vida são importantes, mas a infância e a juventude são nossas guardiãs emocionais. Depois crescemos, as responsabilidades aumentam, racionalizamos o que podemos para evoluir, pagar contas, viver com dignidade. Mas o coração, esse não negocia: ele guarda lugares, vozes e cheiros que nos moldaram.

A cidade, afinal, é o nosso colo. O aconchego que nos abraça mesmo quando estamos longe. A vida faz seus desvios, mas a memória, não: ela reluz. Posso ser injusto por esquecer nomes, mas carrego tantos amigos — vários já ausentes deste plano — como Zé Mondim Filho, Bim, Carlos Jesus Euzébio, Dinho Zanatta, Zelo, Adail Ribeiro, Carlos Bueno Camargo, Zezito Claus, Saquetinho, Gilberto Colla, Antonio Carlos (Cacau), Reginaldo Pinto Ferraz, José Lázaro de Morais, Toninho Furlan, Edgar A. Giaccobe, Ary Bueno, o seu Francisco Pinhanelli que me validou na redação, e a Cidinha Nogueira, que sempre dizia que eu deveria “ir pra São Paulo”.

Hoje ainda encontro o Zé Lúcio Pereira, do ginásio Emílio Romi. Mas e o Laércio Zancan, de tantas jornadas? E o Antonio Carlos Barboza (com Z) da Cooperativa? Sumiram do meu radar, como muitos outros que caminharam comigo — no trabalho, no estudo, no lazer — trocando ideias ou apenas me ouvindo em dias bons e ruins.

De vida simples, vivemos a cidade com intensidade. Acompanhamos seu pulsar e o crescimento lento e constante. Tive o privilégio de aprender com bons amigos-prefeitos como Isaías Romano e Zé Maria Araújo — este ainda entre nós —; eles me ensinaram muito, e pude retribuir com trabalho e lealdade, legado disponível de tantas conquistas que estão aí, servindo uma comunidade inteira. 

Impossível comparar a Santa Bárbara dos anos 70/80 com a de agora. Modernizada, bonita, de economia diversificada e porte médio, ela cresceu em duas "cidades": a parte antiga, central, nosso reduto afetivo; e os bairros da zona leste, populosos, que se estendem até a divisa com Americana. Cidades interligadas pela valorizada avenida Santa Bárbara, com vários empreendimentos iluminando suas marginais, expressão de desenvolvimento. 

E agora, neste 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara, quando a cidade celebra seus 207 anos, não poderia deixar de rabiscá-la com tintas de coração, mais uma vez — como quem acaricia uma fotografia antiga. Registro no Blog esta crônica-depoimento, gesto de fidelidade e amor ao berço natal.

Parabéns, povo barbarense. Que a luz que nos formou continue a iluminar nossos passos, mesmo os que damos longe de casa.







Comentários

Anônimo disse…
A História , registrada através da Vida das pessoas ,amigosque por aqui passaram ou estão...que marcaram vidas.e deixaram Marcas.
Sérgio disse…
Celso Gagliardo um grande historiador - ..."quem te viu, quem te vê"... Magnífico.

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