>>>  Num passeio na pequena cidade praiana, o encontro inesperado na praia deserta. Crônica a partir de um caso real. 


Itanhaém, numa manhã sem Sol

                                                                                              - Celso Gagliardo –

  Lembro-me bem que era um tempo de outono, nem frio nem calor. Estávamos na região de Itanhaém passeando por essa área pitoresca, apreciando e usufruindo da beleza e saúde do mar, areia, praias.

Aquele sábado nasceu xexelento, o Sol escondido parecia não querer dar a cara. Praia sem Sol é bom, mas nem tanto, o rei nos aquece-nos preparando para depois amenizar efeitos na água fria da praia. Doce complemento.

Ficar no hotel (seria na Colônia de férias do BB?) não parecia boa opção, então saímos caminhar um pouco, andar sem destino, pouca gente e ruas desertas, paralelepípedos com mostras de umidade quase chuva da noite.

Na verdade, encontramos alguns caminhantes, moradores que saiam das  padarias e mercadinhos; alguns poucos de bicicleta e outros mais animadinhos em saudáveis corridinhas.

E avistamos o mar. De longe via-se a espuma e um teimoso ziguezague, ora maior ora menor, numa cadência própria. À aproximação, conseguíamos não somente ver, mas também ouvir o mar, aquele tchuááá característico em seu vem e vai até chegar à solidez da areia que decreta o fim de curso das águas. Um fim de curso respeitoso, de quem sabe que há, ali, uma descomunal força oculta, capaz de fazer ultrapassar e derrubar fortalezas, se descontrolada. Quando a gente foca o mar, sua dimensão infinita e a amplitude do horizonte tão distante nos sentimos uma ínfima pecinha na grande engrenagem humana da Terra. Frágeis como uma formiga.

Mas o foco é outro. A praia estava deserta, sem Sol. A nós, seria bom alguma caminhada na areia, olhar fixo a admirar aquele colosso azulado de cheiro e som característicos.

Naquela monotonia matinal não esperávamos encontrar um casal que surgiu caminhando de mãos dadas rumo às pedras. Não eram comuns. Vestimentas e adornos chamavam a atenção demonstrando serem noivos solitários, estavam se casando, se unindo “para sempre”.

Logo atrás vinha uma pessoa aparelhada, parecia ser o fotógrafo ávido pelo melhor ângulo, para registrar instantes de grandeza emocional. E vieram cliques de um jeito e outro. Ficamos olhando e admirando o cenário romântico.

Tocado pelo momento, peguei meu celular e demonstrei interesse em fotografar, também. Fiz um aceno de mão como a pedir autorização, e deu tudo bem. O registro foi feito, sem muita qualidade, pelo zoom limitado do aparelho e principalmente pela falta de luz.

Agora, passados quase 30 anos, reencontro as imagens armazenadas no baú digital que se tornou nossos computadores e telefone móvel. Fui olhar e fiquei imaginando o que poderia ter ocorrido na vida deles, daqueles instantes festivos até o presente. E veio a vontade de escrever para que mais pessoas compartilhassem das minhas divagações.

Quanta felicidade estaria contida naqueles corações? De onde seriam e o que faziam? Por que escolheram aquele lugar inóspito de tantas pedras para as fotos? As perspectivas de constituição familiar, seus sonhos...

A visualização das fotos permitiu refletir mais. Onde estariam hoje? Ainda unidos pelo mesmo ideal? Resistiram aos altos e baixos da vida, enfrentaram bem as pancadas, curaram as feridas? Quantos filhos, netos? Aqueles momentos genuínos de ternura, eternizados pelo fotógrafo, se consolidaram e estão vívidos? Seus ideais de vida e projetos de então foram realizados? O casamento fortaleceu a vida espiritual e material de ambos?

Nossa existência é rica, impregnada de grandeza, mas também de instabilidades. Muitos eventos acontecem em quase três décadas, até a morte, essa megera indomável que atormenta e amedronta, embora saibamos da passagem efêmera por esta vida, da esperança da ressurreição e vida plena no plano da eternidade.

Foi muito bom ter encontrado as fotos. Com elas pude viajar no tempo e me inspirar para escrever a despretensiosa crônica. Tomara o casal misterioso tenha sabido pilotar pelas estradas da existência, pavimentadas ou não, contornando as pedras do caminho, e finalmente que estejam bem, unidos e felizes, para sempre.

           -     Profissional de Comunicações, Recursos Humanos e Gestão – gagliardo.celsoluis@gmail.com

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