- Celso Gagliardo -
Fazer
benzimentos não é privilégio só de mulheres. Homens também o fazem. São pessoas
tidas “com o dom” de ouvir as queixas de dores físicas e espirituais e rogar
pela mitigação, em rituais impregnados de orações, fé, misticismo. Prática
milenar que perdeu forças em nossos meios, mas ainda presente talvez pelo seu
caráter de gratuidade e acolhimento, num mundo onde predominam individualismo e
interesses imediatos.
O que me
levou a pensar e escrever sobre o tema foi uma apresentação havida no lotado cineteatro
de São Pedro, na pre-estréia do curta Benzadeus, dirigido pelo
entusiasta Fabiano Liporoni, que deverá ser sucesso logo mais nas telas e
festivais do gênero. O filme retrata de forma sutil o trabalho dos benzedores e
benzedeiras dessa cidade, atividade cada dia mais escassa em nossas regiões,
mas praticada regularmente nos rincões com menores recursos médicos.
Embora
muitos não acreditem na cura pela fé, que sintetiza os benzimentos, a atividade
é cercada de certo misticismo, e normalmente há relatos familiares de bons
resultados no tratamento de males espirituais e de quebranto, espinhela caída,
mau olhado, erisipela, lombriga, mal jeito, cobreiro, esporão e outros.
As bruxas do
bem, curadoras ou benzedeiras admiradas, ainda existem. Percebido o dom,
recebem conhecimentos repassados pelos seus ancestrais e assim carregam saberes
transmitidos oralmente, muitas vezes misturando elementos do catolicismo
popular, da umbanda, do espiritismo e de outras correntes de fé e
religiosidade. Cada uma com rito e ambiente próprios, horários predefinidos,
utilizam-se de orações, cantos, imagens de santos, ramos, defumadores, água,
óleo, vela, cinzas, terços, ladainhas, sempre cercados por elementos da
natureza, como plantas medicinais e outras.
Como as
benzedeiras colocam no filme, é indispensável acreditar na cura, ter fé. De
parte de quem faz o trabalho, e também por quem o recebe, aquele que procura
solução para seu mal. Tem que acreditar para dar certo.
Recordo-me
dos tempos de infância, na cidade de Capivari, e a tia Assunta F. Gagliardi num
canto da sala com seus aparatos e recebendo pessoas para benzimento. Chegava a
formar fila aos domingos. Eram crianças, jovens e adultos em busca de bem
estar, saúde para o corpo e alma. A casa à beira do rio Capivari e anexa a um
curtume, impregnada com o inevitável cheiro de couro cru, estava sempre aberta
e acolhedora num ambiente de simplicidade e extrema solidariedade e amor ao
próximo. Alguns chegavam a almoçar com eles. Pelos serviços voluntários
prestados, dona Assunta F. Gagliardi foi homenageada pelo Poder Público, sendo denominação
de rua na cidade de Capivari.
Num mundo
evoluído tecnologicamente, com a ciência galopante, medicina cada dia
descobrindo mais, pode soar incoerente exaltar o curandeirismo de benzedores,
prática sem comprovação científica. Entretanto, a força do acreditar, a fé e
religiosidade pulsantes e o querer fazer acontecer, contribuem, podendo gerar “pequenos
milagres”.
A vida é maravilhosa,
mas surpreende. De um momento para outro tudo pode mudar advindo dor e
preocupação e os recursos não estão disponíveis ou não resolvem. Quem sabe seja
por isso que altares, como os das respeitadas benzedeiras da cidade de São
Pedro, ainda resistam bravamente como pontos de luz, acolhimento, escuta e amor,
trabalho de absoluta gratuidade. A simples busca de saúde pela fé.
- Profissional
de Comunicações, Recursos Humanos e Gestão – gagliardo.celsoluis@gmail.com
Ilustração
ChatGPT
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